O tema do direito à moradia constitui um dos pressupostos para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser garantido pelo Estado mediante as instituições políticas públicas e a criação dos meios materiais necessários ao seu exercício. Certamente, um dos maiores desafios urbanos é a garantia da permanência e do direito à moradia adequada para populações vulnerabilizadas. É sabido que o crescimento econômico e os investimentos realizados não melhoraram as condições urbanas das grandes metrópoles no país. A maioria das cidades brasileiras vivem situações recorrentes de calamidade pública, ainda que, supostamente, o país conte com leis e instrumentos urbanísticos (estatuto, planos, conselhos, fundos) considerados os mais avançados do mundo. Vive-se uma realidade em que esses instrumentos estão longe de resultar em algo integrado e igualitário, sobretudo no que diz respeito a garantir a função social da propriedade urbana, isto é, assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto a qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento das atividades econômicas, previstas nas diretrizes legais. O objetivo do presente artigo foi compreender como o conceito de propriedade aparece nas atas da Subcomissão da Questão Urbana e de Transporte da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). É sabido que o trabalho realizado pela Comissão sustentou o trabalho da Constituinte de 1988 que é um marco da transição democrática em uma sociedade altamente urbanizada. Acreditamos que os elementos dessa investigação possam contribuir ao debate sobre a democracia urbana brasileira e a sua crise institucional no período recente. O objetivo da pesquisa foi identificar o debate em torno da questão da propriedade na Constituinte de 1987-1988. Para isso, foram analisadas as atas das reuniões realizadas pela Comissão, em especial, quando tratou do tema referente ao direito a propriedade. Buscando identificar o sentido atribuído pelos componentes da Comissão e os desdobramentos do debate realizado. Passados mais de 30 anos, as propostas não se voltaram à melhor distribuição da propriedade urbana, assim como ao maior controle sobre práticas especulativas e concentradoras de propriedade. Muitas das propostas de cunho jurídico-urbanístico não foram implementadas em escala local. Por outro lado, observamos que parte da reflexão de gênero foi absorvida em algumas propostas, como a titulação de preferências às mulheres, mas nada foi discutido em termos raciais sobre o debate político sobre a propriedade e, de maneira mais ampla, sobre a própria cidade. Por fim, identificamos que espaços populares vêm sendo atravessados também por noções neoliberais, impactando as formas de gestão do fundiário. Se a regularização fundiária não é uma pauta política recorrente nas agendas dos entes públicos, tampouco nos discursos dos movimentos sociais, a percepção da propriedade de cunho liberal é profundamente inserida nas práticas populares, inclusive com um pujante mercado imobiliário informal. Tais atravessamentos vêm obviamente influenciando as formulações das pautas políticas sobre a propriedade nesses espaços.
Palavras-chave: Propriedade. Direito. Moradia. Democracia.