Este estudo busca investigar os conflitos socioculturais de tombamento do Painel ‘’O Calvário de Cristo Hoje’’ (1983), um afresco localizado no altar-mor da igreja matriz de Nossa Senhora da Boa Esperança, município de Esperantina, no estado do Piauí. O Painel, pintado há 40 anos pelo artista João Batista Bezerra da Cruz, narra cenários de opressão e sofrimentos impostos à população do território pela elite latifundiária local, que ao longo de séculos de colonização, reverbera a colonialidade do tempo presente. O fio condutor da narrativa é Jesus Cristo crucificado com os olhos abertos para essa realidade. Repleta de referências, a obra de arte provocou tensões e desagrada parcela da população – sobretudo a elite – que, por diversas investidas, no período de reforma da igreja em 2016, tentou excluir essas marcas de memória. Em 2017, o painel foi tombado pela Secretaria do Estado de Cultura do Piauí, por pressão de seguimentos progressistas da Igreja Católica dentro e fora do país. Diante desse contexto, se propõe o questionamento: Em que medida as políticas de proteção do patrimônio cultural brasileiro permitem a salvaguarda de memórias sensíveis? Como metodologia se privilegiará a história oral, para reconstrução dessas memórias sensíveis da população que participou ativamente dos movimentos de resistência da Igreja contra a opressão dessa elite fundiária. Utilizar-se-á, igualmente, a pesquisa hemerográfica digital a fim de entender como o processo de tombamento repercutiu nas mídias locais. Como aporte teórico se recorrerá a produção de Jacques Le Goff, José Reginaldo Gonçalves e Maria Fonseca, para dar sustentação às noções de história, memória e patrimônio. Acredita-se que esta investigação pode revelar as diversas perspectivas de atores sociais distintos em relação ao Painel, pondo também em reflexão os desafios inerentes ao processo de ‘’ressonância’’ patrimonial, abordagem que envolve o reconhecimento de bens culturais como patrimônio pelos órgãos de proteção do patrimônio federal e estadual e pelos diversos setores da população com o intuito de ultrapassar fronteiras formais e evocar no espectador as forças culturais complexas e dinâmicas das quais o objeto emergiu (Gonçalves, 2005). A análise dos conflitos em torno do Painel sugere que o processo de disputa pela memória e a violenta tentativa de apagamento desse patrimônio cultural estão associados à resistência da administração da Igreja nos dias atuais em resguardá-lo bem como de uma parcela da população que, por diversos motivos, não se reconhece nas representações do painel.
Palavras-chave: Patrimônio Sensível. Patrimonialização. Memória. História. Piauí.