Um corpo que não ameaça: a invisibilidade das mulheres prostitutas nas políticas de controle de natalidade empreendidas pela BEMFAM (1965-1990)

Autor(a) principal: Valderiza Almeida Menezes
Co-autor(a): -

Esta apresentação busca refletir historicamente sobre a prostituição entre os anos de 1965-1990, mais especificamente no que se refere à saúde sexual e reprodutiva de mulheres cisgênero que se dedicavam àquela atividade e à invisibilidade delas nas políticas destinadas ao controle de natalidade empreendidas pela BEMFAM – Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil. O período em questão é reconhecido pela liberação sexual, ascensão da contracepção medicalizada (pílulas anticoncepcionais, dispositivos intrauterinos e laqueadura de trompas), e, também, pelo surgimento da AIDS, aspectos que, segundo alguns discursos da época, fariam com que a atividade da prostituição entrasse em declínio. Além disso, é um momento em que os países desenvolvidos passaram a preocupar-se com o crescimento populacional na América Latina e o risco que isso poderia acarretar em um contexto de Guerra Fria, investindo em iniciativas que tinham por finalidade reduzir o número da população através de métodos contraceptivos sem atentar, porém, para a saúde das mulheres. Para este trabalho utilizou-se como fontes, principalmente, os jornais O Povo e Diário do Nordeste, periódicos de grande circulação na cidade de Fortaleza – CE à época; boletins e outros documentos da BEMFAM, entidade ligada à IPPF (Federação Internacional de Planejamento Familiar) que atuava principalmente nos estados do nordeste com a distribuição de anticoncepcionais e, posteriormente, na conscientização contra o HIV/AIDS – , bem como entrevistas realizadas com mulheres que trabalharam com a prostituição entre os anos 1970 e 1980 em Fortaleza. Através dessa documentação se empreendeu uma discussão acerca do conhecimento, uso e recusa dos métodos contraceptivos por mulheres prostitutas no recorte mencionado, fossem estes métodos medicalizados ou “caseiros”. Partindo-se do entendimento de que uma gravidez não desejada viria a prejudicar a atividade das prostitutas, concluiu-se, porém, que o uso de contraceptivos não foi vivenciado de forma tranquila e óbvia por aquelas mulheres e que elas não compreendiam um público alvo dos serviços da BEMFAM que trazia, em suas publicações, um ideal de usuária. As memórias de prostitutas permitiram identificar entre elas uma rede de sociabilidades em que se fazia a indicação de pílulas ou a troca de conhecimentos sobre métodos caseiros de forma a garantir um cuidado com o corpo no que se refere à contracepção, questões invisibilizadas nos jornais e documentos da BEMFAM que consideravam essas mulheres, muitas vezes, doentes, inférteis e – nesse sentido – não responsáveis pelo crescimento populacional. Assim como a bibliografia com a qual se dialogou, negou-se a vitimização das mulheres que ofertavam serviços sexuais e recusou-se uma visão que valoriza agentes científicos de produção da verdade em detrimento das pessoas com suas concepções e subjetividades. Buscou-se ouvi-las, nesse sentido, não apenas com a intenção de compreender aspectos materiais do passado, mas também como forma de contribuir para a atenuação de sua invisibilidade.

 

Palavras-chave: BEMFAM. Contraceptivos. Controle de natalidade. Mulheres. Prostitutas.