A mobilização camponesa foi uma marca das secas na segunda metade do século XX no Semiárido brasileiro. Ao mesmo tempo em que o movimento camponês conquistava um espaço sem precedentes na cena política através de associações, ligas e sindicatos que articulavam as demandas da população rural em luta por direitos na década de 1950, a multidão de saqueadores de centros comerciais e depósitos de alimentos se constituía enquanto ator ativo de pressão contra o Estado para a implantação de redes de proteção contra a fome. Todavia, aproximação entre as duas tradições de mobilização será realizada pela primeira vez na grande seca de 1979-84. Após a onda repressiva desencadeada pelo Golpe de 1964, o movimento camponês foi retomando sua articulação sob novas bases durante a década de 1970, agora ancoradas no sindicalismo rural, em movimentos de luta pela terra e nas pastorais e comunidades de base católicas. No entanto, o crescimento da mobilização por direitos trabalhistas e a resistência contra a expulsão da terra sofreram um “ponto de estrangulamento” durante a grande. A crise socio-climática instaurou uma “unidade circunstancial” na região, trazendo novos desafios para a resistência popular em torno do acesso à comida, água e trabalho, exigindo novas aprendizagens e uma maior diversidade de ações. Deste momento até a seca de 1998, os novos atores passaram a reconhecer na forma multidão (mobilizada sob a forma de mobilização de cidades, invasões e saques) uma relevante modalidade de mobilização dos(as) trabalhadores(as) rurais, no mesmo instante em que os grupos subalternos se aproximavam da forma movimento que as entidades sintetizavam. A questão fundamental desta pesquisa é, portanto, compreender a dinâmica da mediação realizada pela militância em torno das ações da multidão, ressignificadas pela presença de novos sujeitos históricos. Meu objetivo é analisar o impacto que as entidades tiveram sobre a tradição de saques, tanto como elemento de moderação, ao oferecerem canais de pressão através da mediação de lideranças legitimadas, ou de radicalização, acelerando a deflagração de saques ao oferecerem sua rede de mobilização para convocação de protestos. Periódicos (de Pernambuco e do Ceará), dossiês da Comissão Pastoral da Terra/Ceará, coleções do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc/CPT), cartilhas influenciadas pelo cristianismo da libertação, arquivos diocesanos e paroquiais, além de fontes orais são as principais coleções de documentos utilizados nesta pesquisa.
Palavras-chave: Movimento camponês. Multidão. Semiárido brasileiro. Seca.