O presente artigo busca analisar o “horizonte de expectativas” que o alvorecer de uma nova centúria estimulou nos intelectuais cearenses, na última década do século XIX. Decênio que vivenciou o período de mais intenso desenvolvimento intelectual e o auge da belle époque, um processo de modernização sócio-urbana que, entretanto, excluía e segregava a todos que pudessem manchar a imagem da “loura desposada do sol”. Assim, as luzes da belle époque, além de encandearem, formaram sombras e o excesso de euforia com a modernidade, também, resultou em desilusões com a não realização dos ideais, em resistência às mudanças e na revanche do sagrado. O século XIX foi marcado pela crença no poder da ciência e da razão e embalado pelo mito do progresso (PESAVENTO, 1994). E, portanto, nada mais natural que acreditar que o próximo século seria inevitavelmente uma continuação aperfeiçoada do anterior, que culminaria na utópica “paz universal” (Castro e Silva apud BARREIRA, 1987, p. 243). Contudo, ao analisarem as experiências do passado e conjecturarem o porvir, o temor de que o futuro século não fosse tão pacífico, teria assombrado, também, os pensamentos de muitos intelectuais, que projetaram o evoluir da humanidade “a um estado de barbaria civilizada” (A Gazetinha, 1901, p. 1). De acordo com Cardoso (2002, p. 63-64), os pensamentos destes intelectuais eram bem diversificados. Havia tanto os que acreditavam na filosofia do progresso, como Antônio Sales e Álvaro Martins, e os que pressagiavam o fim trágico da civilização industrial, como Lívio Barreto, Lopes Filho e Cabral de Alencar. Na obra do decadentismo cearense Farias Brito repudiou recorrentemente a “febre cientifica de sua época” e a “apologia ao utilitarismo”, que em seu entender desvalorizava a arte naquele fim de século (OLIVEIRA, 2002). Todavia, Farias Brito, em “A Finalidade do Mundo” (1894, p. 92-93), transcreve de um almanaque socialista uma previsão utópica sobre o futuro, quando a humanidade seria apenas uma pátria, “sem fronteiras disputadas”, onde reinaria a “fraternidade universal.” Então, a entrada da nova centúria foi saudada com toda pompa e circunstância, digna da grandiosidade que preconizava. Na casa do Presidente do Centro Literário, Antônio Papi Júnior, diversas associações se reuniram para “celebrar condignamente a passagem do século XIX e o despontar do novo século” (BARREIRA, 1987, p. 241). Nessa ocasião foi redigida uma Ata com os pensamentos díspares dos convidados acerca da nova centúria. Esta seria guardada em um escrínio na Biblioteca Pública, com a declaração de que somente poderia ser aberto em 1º de janeiro de 2001, para que as gerações vindouras pudessem avaliar com que devotamento o Ceará cultivava os cometimentos da inteligência (Idem). Portanto, buscando revelar essa ampla diversidade de visões e leituras que a vindoura centúria suscitou nos intelectuais cearenses, na última década do século XIX, propomos estudar a circulação e a reapropriação dessas expectativas, analisando seus vestígios impressos em jornais, revistas, atas e obras. Levando em consideração seus lugares de produção, circulação e consumo. (GINZBURG, 1991).
Palavras-chave: Intelectuais. Ceará. Século XIX. Futuro.