A biografia já foi interpretada como um gênero narrativo de fronteira entre a história e a literatura. Tal interpretação já carrega uma série de pressupostos herdados do século XIX, contexto de institucionalização desses campos disciplinares que participaram não apenas da reorganização das ciências, naquele período, mas, sobretudo, da instauração de uma série de discursos de poder que justificaram a experiência histórica, na modernidade. As disputas pelas verdades, sejam elas “factuais” ou ficcionais, passam, necessariamente, por construções narrativas, possíveis pela linguagem, o que ajuda a explicar a popularidade e, em especial, a adaptabilidade da biografia aos diferentes contextos científicos, políticos e intelectuais. Esta comunicação pretende apresentar uma análise de “Freud: uma vida para o nosso tempo”, de Peter Gay, cuja primeira edição original data de 1988, e de “Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo, de Elisabeth Roudinesco, obra com primeira edição original data de 2014. Ambos com formação em história, esses biógrafos partem de recortes espaciais diversos, que relacionam experiências acadêmicas alemãs, francesas e estadunidenses a partir da história da psicanálise. Sigmund Freud (1856-1939) mereceu diversos estudos biográficos e a escolha por esses dois livros tem relação com sua importância para alguns dos debates concernentes ao campo do conhecimento histórico, em particular, da teoria da história. A biografia escrita por Gay foi divulgada cerca de meio século após a morte de Freud. Já o trabalho de Roudinesco dista dele meio século. As relações da história com a biografia (e também com a psicanálise) mudou, significativamente, nesse recorte, em diferentes partes do mundo. Para a presente comunicação, foram selecionadas as seções finais de cada uma das obras, que correspondem, por conseguinte, aos últimos anos de trabalho de Freud, marcados por certa abertura interdisciplinar e, assim, mais teórica de seu pensamento. Trata-se de um momento importante para a história das humanidades e que, a despeito do horror da guerra, legou, a partir de obras como a de Freud, uma série de indagações que nos desafiam até hoje. Na sua diferença, a história da psicanálise, a partir do estudo da vida de seu fundador, pode alimentar uma agenda específica de pesquisa orientada ao exame das relações entre história, ficção subjetividade, quase um século depois da morte do neurologista e psiquiatra austríaco que ficou conhecido como um dos grandes críticos da nossa modernidade.
Palavras-chave: Biografia. Ficção. Psicanálise.