Esta comunicação surge a partir dos resultados parciais de um aspecto ainda em desenvolvimento da pesquisa de mestrado do autor, ao qual estuda a literatura do escritor, pintor, músico, psicodélico e eternamente preocupado com o bem-estar social Lula Côrtes (1950-2011). Lula publicou, em 1975, a crônica Santo Amaro Sol, em que ele caminha pela periferia do bairro de Santo Amaro, em Recife, e descreve o que vê, ouve, sente e pensa ao longo de suas caminhadas. Assim, através da metodologia que propõe os possíveis usos da literatura e da crônica para o saber histórico, e ressaltando a conexão de Lula com o efervescente universo contracultural que promove uma rejeição ao mundo moderno, industrial e civilizado, o objetivo deste trabalho é, principalmente, mostrar a obra de Lula como uma narrativa que rejeita a violência estrutural que o capitalismo propicia e propõe saídas para tal. Quer dizer, o desigual lugar de onde Lula observa, ao qual se vê, ao longe, os enormes arranha-céus recifenses e, ao seu lado, os alagados, os mocambos, o lixo, a lama e a onipresente tristeza no olhar dos transeuntes que parecem carregar a vida como um fardo, diariamente acordando cedo para a “luta diária”, mostram o modo de produção capitalista quase que como uma distopia. Sendo assim, caminhando por esse cenário periférico e a partir de alguns dolorosos relatos, Lula denuncia as crueldades a sua volta e documenta a exclusão social para com a população pobre daquele bairro, ao mesmo tempo em que promove uma rejeição a essa forma de opressão contemporânea, indicando que esta deve ser feita a partir de uma resistência cotidiana e de uma libertação individual. Para finalizar essa comunicação citando um exemplo que evidencie como os habitantes de Santo Amaro são engolidos pelos “progressos” urbanos, são tratados com descaso pelas autoridades públicas e sofrem com o modelo econômico a que são submetidos, cito Lula narrando o momento em que, instantes depois do meio dia, um homem com um lenço na cabeça, um rosto vermelho, suado, com rugas profundas e “com desenhos de dor esbranquiçados” está de mãos dadas com uma menina de mais ou menos 5 anos, que veste uma desbotada e remendada farda escolar. Estão tentando atravessar uma avenida recentemente inaugurada e que corta a favela em duas. O homem aperta a mão da criança e olha a rua apreensivo, aguarda apenas uma oportunidade para atravessar. Mas parece ser impossível, o movimento dos carros o impede. O semáforo próximo não aponta nem para o “pare”, nem para o “siga”, “o sinal é apenas de atenção constante”. Ele vê uma oportunidade e dá um passo, “mas vem um Jipe da C.H.E.S.F. correndo muito”, e ele é obrigado a puxar bruscamente a mão da criança e retornar ao acostamento, retrocedendo aquele passo que tanto havia dado trabalho para dar. Após insistentes tentativas., uma sirene na fábrica da Tacaruna toca, e o homem desiste da travessia. Com os olhos fitados no chão, ele recua e vai embora, afinal, já é hora de regressar ao trabalho.
Palavras-chave: Libertação Individual. Lula Côrtes. Mundo Moderno. Resistência.