Saìkakun – Gbàgbé – E Dáke!: A negritude ignorada e esquecida no silenciamento normativo educacional fluminense

Autor(a) principal: Alessandro Sahler
Co-autor(a): Marinete Alves Pereira de Castro

Infame, adjetivo que designa aquele que não possui boa fama, que foi descreditado ou desacreditado por outrem, ou pela sociedade em que está inserido. Por outro lado, o agente que desacredita o outro é aquele que, por deter o poder social, é o acreditado, o que fia a fama e, realiza o infamar, prática essa muitas vezes realizada pelo silenciamento, por voluntariamente ignorar a existência. Em iorubá, essa ação de ignorar o outro é traduzida como saìkakun. Ação esta praticada pelo Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro–CEE/RJ, em relação à negritude, até o ano de 2002, quando então foi criada a Comissão de Minorias Étnicas e Sociais. Mesmo estando localizado no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, avizinhando os portos de maior entrada de escravizados africanos do mundo, o CEE/RJ permaneceu silente quanto a estas vidas e histórias. Desde sua fundação em 1975, no contexto da ditadura militar, só veio a se pronunciar no primeiro quinquênio do Século XXI, quando trouxe a pauta em suas discussões plenárias, por meio da Comissão das Minorias Étnicas e Sociais CMETS constituída nos termos da Portaria CEE/RJ n.º 103/2002, de 25 de março de 2002. A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar, nos textos das atas das reuniões plenárias do ano de 2002, as abordagens do CEE/RJ quanto às questões do negro, da negritude em um contexto de abolição da escravatura institucional. Já como objetivos específicos pretende-se: a) identificar em quais atas a temática é discutida; b) relacionar as eventuais produções normativas que tratam da temática no recorte de pesquisa. A investigação, de natureza qualitativa, por suas características e objetivos, constitui-se como histórica-documental, alicerçada na estratégia de análise cartográfica proposta por Sales, Arrais e Braga (2017), buscando identificar e discutir “[…] movimentos, relações, enfrentamentos entre forças, modos de objetivação, de subjetivação e lutas por delimitação de espaços sociais.” (p.3). Constituem suas principais fontes da pesquisa: a) atas das reuniões plenárias do ano de 2002; b) atos normativos e administrativos que tratem da temática no período estudado. A discussão se apoiará em um diálogo entre conceito de silenciamento de Orlandi (2007) e as questões contemporâneas da negritude trazidas por Siqueira (2018), Pires e Oyarzabal (2019), Morais e Maia (2020) e Rocha e Alves (2021), especialmente no que tange à efetividade de acesso e garantia de direitos pela população negra. Cartografar os movimentos institucionais do CEE/RJ ao redor das questões da negritude, seus atores, formas e resultados na construção de políticas públicas e de governo no âmbito da Educação Fluminense, fornecendo indicadores que permitem a análise da temática. O resultado das análises aponta para uma tratativa pontual da temática, a qual aparece nas discussões plenárias três vezes entre agosto e setembro de 2002, sendo respectivamente: uma sugestão de pauta, uma palestra interna e um convite para participação de um evento sobre quotas da ação afirmativa. Quanto aos atos normativos, o primeiro data de 2014, quando o Ministério Público Federal–MPF, questiona o CEE/RJ quanto à aplicação da Lei n.° n.º 10.639/2003. Questão essa respondida pelo Parecer CEE (N) n.° 158/2005, no qual a Comissão Permanente de Legislação e Normas (não a CMETS) conclui que a temática está pacificada, sendo o dispositivo dotado de autoaplicabilidade, não sendo necessária ação do Colegiado. A língua iorubá traduz os pilares desse movimento quanto à negritude no CEE/RJ como saìkakun (ignorar, fazer pouco caso), — gbàgbé (esquecer) — e dàke! (Silêncio!), explicada por Orlandi (2007) como “dizer “uma” coisa para não deixar dizer “outras” (p. 55).

 Palavras-chave: Sistema de ensino. Silenciamento. Conselho Estadual de Educação.