Infame, adjetivo que designa aquele que não possui boa fama, que foi descreditado ou desacreditado por outrem, ou pela sociedade em que está inserido. Por outro lado, o agente que desacredita o outro é aquele que, por deter o poder social, é o acreditado, o que fia a fama e, realiza o infamar, prática essa muitas vezes realizada pelo silenciamento, por voluntariamente ignorar a existência. Em iorubá, essa ação de ignorar o outro é traduzida como saìkakun. Ação esta praticada pelo Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro–CEE/RJ, em relação à negritude, até o ano de 2002, quando então foi criada a Comissão de Minorias Étnicas e Sociais. Mesmo estando localizado no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, avizinhando os portos de maior entrada de escravizados africanos do mundo, o CEE/RJ permaneceu silente quanto a estas vidas e histórias. Desde sua fundação em 1975, no contexto da ditadura militar, só veio a se pronunciar no primeiro quinquênio do Século XXI, quando trouxe a pauta em suas discussões plenárias, por meio da Comissão das Minorias Étnicas e Sociais CMETS constituída nos termos da Portaria CEE/RJ n.º 103/2002, de 25 de março de 2002. A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar, nos textos das atas das reuniões plenárias do ano de 2002, as abordagens do CEE/RJ quanto às questões do negro, da negritude em um contexto de abolição da escravatura institucional. Já como objetivos específicos pretende-se: a) identificar em quais atas a temática é discutida; b) relacionar as eventuais produções normativas que tratam da temática no recorte de pesquisa. A investigação, de natureza qualitativa, por suas características e objetivos, constitui-se como histórica-documental, alicerçada na estratégia de análise cartográfica proposta por Sales, Arrais e Braga (2017), buscando identificar e discutir “[…] movimentos, relações, enfrentamentos entre forças, modos de objetivação, de subjetivação e lutas por delimitação de espaços sociais.” (p.3). Constituem suas principais fontes da pesquisa: a) atas das reuniões plenárias do ano de 2002; b) atos normativos e administrativos que tratem da temática no período estudado. A discussão se apoiará em um diálogo entre conceito de silenciamento de Orlandi (2007) e as questões contemporâneas da negritude trazidas por Siqueira (2018), Pires e Oyarzabal (2019), Morais e Maia (2020) e Rocha e Alves (2021), especialmente no que tange à efetividade de acesso e garantia de direitos pela população negra. Cartografar os movimentos institucionais do CEE/RJ ao redor das questões da negritude, seus atores, formas e resultados na construção de políticas públicas e de governo no âmbito da Educação Fluminense, fornecendo indicadores que permitem a análise da temática. O resultado das análises aponta para uma tratativa pontual da temática, a qual aparece nas discussões plenárias três vezes entre agosto e setembro de 2002, sendo respectivamente: uma sugestão de pauta, uma palestra interna e um convite para participação de um evento sobre quotas da ação afirmativa. Quanto aos atos normativos, o primeiro data de 2014, quando o Ministério Público Federal–MPF, questiona o CEE/RJ quanto à aplicação da Lei n.° n.º 10.639/2003. Questão essa respondida pelo Parecer CEE (N) n.° 158/2005, no qual a Comissão Permanente de Legislação e Normas (não a CMETS) conclui que a temática está pacificada, sendo o dispositivo dotado de autoaplicabilidade, não sendo necessária ação do Colegiado. A língua iorubá traduz os pilares desse movimento quanto à negritude no CEE/RJ como saìkakun (ignorar, fazer pouco caso), — gbàgbé (esquecer) — e dàke! (Silêncio!), explicada por Orlandi (2007) como “dizer “uma” coisa para não deixar dizer “outras” (p. 55).
Palavras-chave: Sistema de ensino. Silenciamento. Conselho Estadual de Educação.