A voz do luto: enunciações críticas acerca do ritual funerário Terno das Almas de Igatu (Chapada Diamantina-Bahia)

Autor(a) principal: Ana Luisa Lauria
Co-autor(a): -

Argumentar em favor da produtividade ritualística relativa ao Terno das Almas (ato devocional durante o qual, na quaresma, vivos dedicam orações aos mortos, cuja finalidade é alívio das dores purgatoriais) é reconhecê-lo como um modo de gestão inclusivo do luto por promover uma linguagem na qual subjazem técnicas discursivas que amparam os enlutados em uma rede social de sujeitos aquém e além túmulo. Nesse entendimento, A Voz do Luto debruça-se sobre a produção de saberes fúnebres deflagrada pela execução do Terno. Para tanto, a apreensão do repertório e de uma pedagogia sobre os mortos e o morrer será captada, com especial ênfase, a partir de um evento específico ocorrido ao longo da pesquisa de campo: a visitação ao cemitério dos bexiguentos. Erguido acima do perímetro urbano da vila de Igatu, o local fora predestinado ao enterro de pessoas acometidas pela varíola nas primeiras décadas do século XX. O medo coletivo em relação ao contágio fez com que um espaço para os sepultamentos, afastado do convívio citadino, fosse edificado com vista à contenção epidêmica. Durante a procissão no ano de 2017, o coletivo que protagoniza o Terno foi ao cemitério em questão para entoar sufrágios pelo refrigério das aflições das almas. A partir desse episódio, por conseguinte, se seguirá uma análise referente ao fluxo memorialístico retido nos testemunhos, bem como à inscrição dos mesmos no ecossistema cultural lúgubre no qual se realizam. Para tanto, a plataforma intelectual prioritária que contemplará a adoção de um ethos religioso diante da morte propõe a imbricação entre literatura e história, de modo a discutir sobre narrativas fáticas e o estatuto ficcional que as atravessa na subsequente elaboração da memória, bem como da escritura etnográfica. Em uma perspectiva multidisciplinar, os protocolos de leitura crítica (em suas incursões ética e estética no que tange à produção de linguagem nos fazeres histórico e literário), abarcarão Michel Foucault e James Clifford, entre outros. Face ao exposto, ao visibilizar o percurso e os resultados da investigação doutoral intitulada Tessituras Funerárias, cujo desenvolvimento se deu na linha de pesquisa Documentos da Memória Cultural (PPGLitCult/UFBA), abrem-se possibilidades interpretativas quanto à articulação entre a referenciação das fontes documentais e a instabilidade narrativa intrínseca aos repertórios mnemônicos. Por fim, o horizonte de subjetivação no qual se apresenta um regime gregário de afetos entre encarnados e desencarnados, valioso capital simbólico da comunidade de Igatu, direciona a discussão a respeito das estratégias de experimentação contínua do trabalho lutuoso e das honrarias aos mortos.

 

Palavras-chave: Terno das Almas. Trabalho de luto. Memória cultural. Ethos mortuário. Narrativas autobiográficas.