O presente artigo busca analisar o “horizonte de expectativas” (KOSELLECK, 2006) que o nascer de uma nova centúria estimulou nos cidadãos alencarinos na última década do século XIX. Almejamos entender e historicizar as construções de visões do futuro como reflexos do tempo vivido, fabricadas historicamente, conforme as premissas da sociedade, e refletidas enquanto intencionalidades de continuidade ou ruptura, na busca da realização dos sonhos ou ainda para acalmar os medos diante do imponderável. (LE GOFF, 1996, p. 283). Intentamos, portanto, revelar o caleidoscópio de leituras, vivências e sentimentos contrastantes que remeteram ao início do século XX e que transitaram entre o otimismo de determinados intelectuais que deslumbraram o “século da paz universal” (Castro e Silva apud BARREIRA, 1987, p. 244), como também o pessimismo de alguns religiosos que pressagiaram “os últimos tempos do mundo” (COUTO, 1868, p. 566). Segundo Minois (2016, p. 538), o século XIX foi “um século aberto para o futuro”. Esse “século desequilibrado”, que vivenciou mudanças constantes em todos os campos, teria sido “favorável à eclosão de uma infinidade de profecias em torno dos grandes desafios sociais, econômicos, nacionais, religiosos, profecias de realização de esperanças ou profecias de vingança da parte das vítimas, dos frustrados e dos abandonados da evolução”. O Brasil, por sua vez, experimentou debates sobre diferentes projetos sociais e políticos, marcados pelas transições entre a monarquia e a república, o escravismo e o trabalho livre, “bem como o processo de reformas urbanas e ajustamento das classes sociais à ordem industrial-civilizatória”. (CARDOSO, 2002, p. 68-69). No Ceará, a última década do século XIX, teria sido o “período mais fecundo, de mais intenso desenvolvimento intelectual” (STUDART, 2010, p. 280). Contudo, em 1900, em pleno auge da belle époque (PONTE, 2000. p. 162), sofreu à calidez da “seca dos dois zeros”. A “gente esquálida do sertão” fugindo do “anjo do extermínio” sucumbe, no entanto, confinada “nos degradantes campos de concentração de flagelados”. (GIRÃO, 1979, p. 225). O processo de remodelação sócio-urbana excluía e segregava a “tudo e todos que pudessem macular a imagem asséptica, produtivista e formoseada de Fortaleza”. (PONTE, op. cit., p. 179). Assim, de rosa, o futuro foi se tornando negro. (MINOIS, op. cit., p. 601). E, o horizonte se tingiu de trevas com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que, conforme Ponte (op. cit., p. 184), decreta o fim da belle époque europeia. Doravante, buscando tecer o véu das expectativas que cobriu o homem das derradeiras décadas do século XIX, propomos, conforme Albuquerque Júnior (2007, p. 31), ordenarmos o desenho desses prognósticos e augúrios vasculhando atas, jornais, almanaques, obras, romances e profecias populares. Levando em consideração seus lugares de produção, circulação e consumo. (CERTEAU, 1994; GINZBURG, 1991). Destarte, podemos constatar que apesar das decepções diante de um novo tempo sem as mudanças abruptas e as realizações imediatas dos tão desejados sonhos, prosseguimos a imaginar como será o próximo século, o dia de amanhã, o futuro, tendo como base o presente filtrado por nossas experiências e convicções.
Palavras-chave: Futuro. Memória. Imaginário.