Em 1919, Carlos Câmara escreveu O casamento da Peraldiana, uma burleta de costumes que trouxe as aventuras de uma viúva da região dos Inhamuns na Fortaleza da década de 1910. A protagonista não reconhecia a cidade de outrora e esse estranhamento era o norte das confusões e das situações cômicas na tessitura da trama. Os meios de transportes, por exemplo, estavam mais acelerados com os bondes elétricos e os automóveis que, para D. Peraldiana, eram o “diabo”, ou seja, perigosos. Os lugares de diversão, hierarquizados, revelavam outros ritmos onde um “Zé Povinho” se encontrava e sensualizava no maxixe. Uma cena que era um choque para a viúva que se viu enrolada com a jogatina e foi parar na delegacia. Por outras palavras, a trama desenvolvia-se com a interação da protagonista com os espaços da cidade que, por sua vez, não eram apenas cenário, mas sujeitos da ação dramática. Deste modo, para este presente trabalho, propõe-se analisar como as práticas e os espaços da cidade de Fortaleza do início do século XX foram imaginados na dramaturgia de Carlos Câmara, mais especificamente no texto dramático O casamento da Peraldiana. A literatura, aqui a dramática, pode ser uma forma de reflexão acerca da cidade e, nesta perspectiva, percebe-se na obra referida que uma ideia de urbe moderna, mesmo que provinciana, entrava em conflito com uma pensamento conservador e retrógado de uma moralidade cristã católica ao mesmo tempo em que representava as hierarquias sociais a partir dos locais de diversão e sociabilidade. Assim, para o desenvolvimento dessa pesquisa, busca-se o diálogo com Sandra Jatahy Pesavento que argumenta que existe uma cidade desejada e imaginada e outra que se tem. Não são opostas, mas possuem uma relação de conflito e de convergência. Em Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho, procura-se refletir acerca da experiência moderna em Fortaleza, percebendo que a cidade é um local de disputas e negociações. Ao falar de teatro Raymond Williams pondera acerca da sua forma que está inserida em uma realidade sociocultural. A preferência de Carlos Câmara pelas burletas de costumes estava relacionada com as condições das práticas teatrais e a recepção do público da capital cearense. Assim, para compreender a forma como a ação dramática foi construída, utiliza-se de Renata Pallotini e Patrice Pavis que distingue o texto escrito e o encenado. Nesta pesquisa, volta-se para a literatura dramática, embora, seja pertinente ressaltar que Casamento da Peraldiana foi encenada diversas vezes pela Grêmio Dramático Familiar entre os anos de 1919 e 1939, onde Carlos Câmara atuou como dramaturgo e escreveu nove burletas completas e deixando uma não finalizada devido ao seu falecimento. Além disso, ganhou outras montagens ao longo do século XX. O texto em cena traz outras experiências e análises distintas em relação ao texto escrito. Destarte, tem-se a literatura dramática, crônicas de jornais e memorialistas e editoriais de periódicos como fontes dessa pesquisa.
Palavras-chave: Cidade. Espaços. Burletas.