Esta pesquisa objetiva compreender o papel das mulheres que apoiaram o golpe de 1964, especificamente as que participaram das “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, e se há reflexos na participação feminina nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. O estudo está baseado na obra “Deus, pátria e família: as mulheres no golpe de 1964”, publicada em 1985, de autoria de Solange de Deus Simões, e de outros estudos, assim como reportagens e artigos sobre os atos antidemocráticos que recentemente completaram um ano. Assim, parte-se do questionamento central: qual a importância da atuação feminina no apoio ao golpe de 1964 e nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023? Emprega-se o método de estudo de caso na modalidade descritiva, dentro, é claro, dos limites deste estudo, assim como os métodos bibliográfico e exploratório. Desse modo, em primeiro lugar, busca-se entender a atuação feminina no apoio ao golpe de 1964, expressa especificamente nas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”. Em um segundo momento, será apresentado o cenário acerca da participação das mulheres nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Por fim, almeja-se compreender de que forma a justiça transicional pode contribuir para a superação desse imaginário coletivo – de certa parte da população – que apoia regimes autoritários e intervencionistas, cujo apoio feminino decorre principalmente da defesa da família, como parte de uma responsabilidade ainda atribuída à mulher. Provisoriamente, a título de conclusão, demonstra-se que a atuação feminina no apoio ao golpe de 1964 foi relevante, pois auxiliaram na construção do imaginário social de terror promovido pelo avanço do comunismo que destruiria a família e interferiria nas práticas religiosas. Embora em grande medida tenham sido influenciadas e conduzidas pelas figuras masculinas que tinham relação direta com a oposição ao governo João Goulart, representaram um rompimento do padrão comportamental esperado de não participação política feminina, inobstante seguissem reproduzindo compreensões tradicionais da estrutura patriarcal como, por exemplo, autodenominando-se “donas-de-casa e mães de família brasileira”. Nesse passo, a hipótese inicial confirmou-se, pois a ausência de uma justiça de transição mais profunda, que provocasse a reforma das instituições e a punição dos responsáveis que atuaram em nome do Estado brasileiro, contribui para a manutenção de ideias intervencionistas e antidemocráticas, para a não superação de um imaginário coletivo que idolatra o golpe de 1964. Quanto ao papel das mulheres nesse cenário, a luta pela “moral” da família tradicional e a responsabilidade feminina em defender a família e a religião, decorrem também da persistente estrutura do “sistema moderno colonial de gênero”, como aduz María Lugones, que impôs um patriarcado de alta intensidade, conforme Rita Segato, além da ausência de profundidade no trato da questão de gênero pela justiça de transição brasileira, razão pela qual trazer à luz o protagonismo feminino auxilia na inclusão desse debate nos mecanismos de justiça de transição ainda em andamento no Brasil, e a importância do direito à memória, à verdade e à justiça como instrumentos emancipatórios e da garantia de não repetição.
Palavras-chave: Atos antidemocráticos. Ditadura Civil-Militar brasileira. Justiça de transição. Movimentos femininos. Mulher.