O cinema, por meio da forma e do conteúdo, se torna um documento versátil e plural para pensar as inquietações de um tempo. A maneira como a obra apresenta o mundo, em muitos casos, possibilita uma mudança drástica de como a sociedade vê a si mesmo, tanto no âmbito cultural como no político. Outrossim, a respectiva reflexão tem como objetivo analisar uma parcela do cinema nacional no começo do século XXI e as suas vicissitudes entre obra, concepção política e crítica cinematográfica. A obra O Invasor (2002), de Beto Brant, exerceu forte crítica social durante o ano de lançamento, uma vez que, apresentava uma perspectiva distópica da sociedade brasileira. A obra, diante do seu percurso diegético, estimula romper com qualquer possível estabilidade do espectador, no qual oferece constantes cargas de sentimento caótico e claustrofóbico. No entanto, segundo a crítica, por exemplo, Lúcia Nagib no livro A utopia no cinema brasileiro: matizes, nostalgia, distopias, apresentou a distopia do filme enquanto representação do individualismo da sociedade brasileira, efeito que provocaria o esvaziamento do debate político de coletividade. Interpretação que não se perpetuou em outra obra de estética similar; o filme Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha. Segundo Ismail Xavier, no livro Alegoria do Subdesenvolvimento, Terra em Transe dialogou com a distopia para refletir sobre os erros da esquerda e da direita política para a derrocada do golpe de 1964. Todavia, a provocação do filme não é da tônica do individualismo, mas do chamado para a produção de uma alternativa para a política coletiva. Dentro do âmbito da forma – cenário caótico – Terra em Transe e O Invasor dialogam, todavia, o primeiro é considerado obra de provocação de política coletiva e o outro não, por quê? Levantamos a hipótese em duas partes. Primeiro, a relação que O Invasor estabeleceu com a arte pop ao trazer personagens como Sabotage e, segundo, a memória histórica da crítica uspiana – Ismail Xavier e Lúcia Nagib – de eleger o Cinema Novo enquanto modelo de cinema político nacional, como se houvesse um processo gradativo entre política de coletividade e individualidade, como Lúcia Nagib apontou no livro A utopia no cinema brasileiro, tendo a máxima da coletividade no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964), de Glauber Rocha e o culto da individualidade em O Invasor e Cidade de Deus(2002), de Fernando Meirelles.
Palavras-chave: Cinema nacional. Política. Crítica cinematográfica.