Airton Maranhão (1950 – 2015) foi um advogado e escritor, natura da cidade de Russas, Ceará, que declarava ter a “missão de escrever” em cima de si, dizia que um dia morreria, mas antes deixaria “tudo escrito”. Identificamos um olhar “antiquário” (NIETZSCHE, 2003) em Maranhão ao tentar delimitar um passado, não no sentido de colecionar objetos antigos, mas sim em “guardar” personagens em sua escrita – paralisando-os. Analisaremos essa escrita como construtora de memórias e sentidos para o passado escrito e para as espacialidades que foram narradas; uma narrativa desejosa de ser capaz “de dar tempo ao espaço” (RAMOS, 2012), pois a obra (poesias, romances e crônicas), publicada entre 1977 e 2015, foi dedicada à cidade de Russas – CE e sua gente (vivos e mortos). Buscaremos compreender a construção de autoria de Maranhão e entendê-lo como um sujeito que se construiu nas normas do dizer, que fez um investimento de produção dentro de uma literatura, que se inventou no texto e publicitou a si mesmo (FOUCAULT, 2011). Mas, essa escrita “obedeceu” a uma dada forma de ver e dizer o regional e sua cultura. Partindo de Albuquerque Jr. (2013) analisaremos como a obra permaneceu “prisioneira” do conceito de “cultura nordestina”; fortalecendo uma identidade essencialista e reforçando preconceitos e estereótipos. Maranhão alimentou sua escrita com folclore e compreendemos que o trabalho do folclorista é reunir lendas, mitos e crenças – Maranhão foi um oficiante dessa “oficina”, pois narrou sua cidade via o folclore. Maranhão se utilizou do folclore para se inventar e legitimar sua escrita, pois ao lidar com essas práticas e procedimentos ligados ao folclore e sua “fabricação”, também estava se “inventando” como autor. Abordaremos metodologicamente como a escrita de Maranhão pode ser localizada, ou concorre, com outras escritas – como Dimas Macedo (1956) e José Alcides Pinto (1923 – 2008) –; e também com outras escritas sobre Russas (por exemplo os livros do memorialista Limério Moreira da Rocha, Con. Pedro de Alcântara Araújo, Humberto Rodrigues Lima e outros). Para compreendermos como se produz um discurso literário em uma determinada historicidade, analisaremos os “paratextos editoriais” (GENETTE, 2009) da obra e visualizaremos as tensões no “campo artístico” (BOURDIEU, 1996). Um autor “bem situado” nesse campo, que dialoga com essa obra, é Macedo, que “autoriza” Maranhão, definindo-o como um escritor subterrâneo/marginal, localizando-o nesse campo literário. O “marginal” ativa o funcionamento de colocar fora, mas colocando dentro. Fabrica-se um recorte, construindo um espaço dentro do “campo” e há um “jogo de poder” sendo acionado. Concluímos que essa escrita queria ir além do registro memorialista, tendo o desejo de inserção no “campo maior” da literatura. Maranhão narrou memórias que foram oriundas de diferentes “arquivos” (corporal, tradição oral e literária) e que “ganharam” outras temporalidades e valores ao serem narradas (não necessariamente de forma cronológica), produzindo uma escrita que lidou com o ausente e com o outro (CERTEAU, 2011). Um texto literário, conscientemente ou não, cita as “regras” para ser literatura, o discurso não é totalmente “livre”, o escritor busca subverter ou se submeter às “normas” vigentes buscando “autoridade”.
Palavras-chave: História. Memória. Narrativa. Tempo. Literatura.