Mortalidade e contágio na epidemia de varíola durante a seca de 1878

Autor(a) principal: André Ribeiro Totti
Co-autor(a): -

O presente trabalho visa observar a experiência histórica da epidemia de varíola ocorrida em 1878, durante a seca que assolou o Ceará entre 1877 e 1879. Dentro do quadro de estudos sobre a seca, objetiva-se analisar como o governo e a opinião pública, através de jornais (Constituição, Pedro II e Cearense), lidaram com a presença incômoda das aglomerações de retirantes, considerados vetores de doenças e culpados pela propagação da varíola em Fortaleza. Nesse sentido, atentando para a mortalidade durante o ápice da epidemia, busca-se problematizar como o direcionamento das políticas públicas e as demandas da opinião pública podem ter contribuído para o enorme obituário de retirantes. Assim, pretende-se analisar a experiência da mortandade a partir do conceito de Necropolítica (MBEMBE, 2003/2016), observando como as relações políticas de classe e raça estabelecidas em relação aos migrantes possam ter determinado um aumento das mortes. Para tanto, realizou-se a análise das seguintes fontes históricas: por um lado, os relatórios e as falas do presidente provincial em gestão, José Julio D’Albuquerque Barros; por outro lado, as edições dos jornais Constituição, Pedro II e Cearense, referentes aos anos da vigente seca. A partir dos jornais, foi possível apreender os discursos dos habitantes abastados de Fortaleza sobre os retirantes, o que permitiu analisar as demandas de repúdio/apartheid das classes superiores em relação a esses sujeitos marginalizados. Já no que se refere aos relatórios presidenciais, foi possível estudar a prática governamental durante a epidemia, o que tornou possível analisar o direcionamento político do governo em relação a como lidar com os migrantes. Observando as demandas expressas pelos jornais, tornou-se evidente que o principal objetivo das classes superiores era se proteger do contágio da varíola. Nos noticiários, em momentos nos quais morriam centenas de retirantes diariamente, as principais medidas requeridas pela imprensa conservadora (Constituição, Pedro II) eram impedir a presença de migrantes nas principais ruas do centro e afastar as habitações desses sujeitos para sotavento da cidade, com fins de impedir o contágio aos abastados. De maneira semelhante, a prática governamental, conforme exposta pelo relatório do presidente provincial, tendia a dirigir ações de higienismo e controle social, mediante a organização de abarracamentos em locais distantes e a remoção forçada de retirantes do centro. Desse modo, após analisar a opinião pública e a prática governamental, concluiu-se que havia uma relação de inimizade dos abastados da cidade referente a como lidaram com a presença dos migrantes, considerados incômodos e perigosos. Essa relação agiu como uma tendência das práticas governamentais, que se pautaram não em salvar a vida dos migrantes, mas em isolá-los e impedir o contágio aos abastados. Assim, propõe-se a hipótese de que as finalidades das políticas públicas contribuíram para um aumento no número de mortes de migrantes, pois objetivaram preservar a vida dos abastados das cidades, ao invés de salvar os migrantes da varíola.

Palavras-chave: Seca. Varíola. Necropolítica.