A cidade de Fortaleza iniciou o século XX com uma população de mais de 48.000 habitantes, chegando aos anos 1940 com quase quatro vezes mais esse número, atingindo um índice de 180 mil pessoas. Nessas primeiras décadas, a gestão municipal alterava o desenho do chamado perímetro urbano, criando ruas, avenidas, praças, e regulava suas ocupações e construções, tentando padronizar as edificações de residências e prédios comerciais, principalmente na área mais central. Também nesse período, certos usos de corpos e espaços na cidade emergiam como “problema” em discursos e práticas. Um deles foi nomeado e classificado de “localização do meretrício”. Uma articulação de formas materiais e não materiais, textuais e não textuais para nomear, classificar e gerir corpos e espaços como prostituição na primeira metade do século XX em Fortaleza configurou-se em textos jornalísticos, reclamações na imprensa, registros jurídicos, administrativos e ações policiais. Penso essa articulação discursiva e não discursiva a partir da hipótese de um funcionamento da cidade pornotópica, como classificações dos usos dos corpos e dos lugares do chamado “comércio sexual” e sua produção de noções de “(des)ordem urbana” e de subjetividades numa relação de corpos e espaços da sexualidade na e como cidade. A “paisagem urbana” se inscreveria como relações de corpos e espaços que seriam definidos como opostos, como contrários irredutíveis. A “casa de família” não seria a “casa da prostituição”, o comércio de bens e serviços, inclusive de serviços também realizados com o corpo, não seria o chamado “comércio do sexo”, o “quarteirão de família” não deveria ser o “quarteirão de prostitutas”. Com essa perspectiva, pretende-se contribuir para pensar a história de um espaço urbano como uma tecnologia do sexo, como dispositivo da sexualidade, com suas configurações legais, normativas e técnicas na constituição de visibilidades, dizibilidades e significados sexuais nas práticas urbanas (ou como práticas urbanas). Os sujeitos classificados nessa cidade pornotópica poderiam se refazer (escapar) colocando-se em outras definições de trajetórias ou mesmo de classificações, como subjetividades que não seriam (ou não seriam exclusivamente) de “prostitutas”, por exemplo, não se reconhecendo nessas disposições, e espaços que seriam reconhecidos como estabelecimentos comerciais ou quartos para dormir, e não prostíbulos.
Palavras-chave: Fortaleza. Prostituição. Sexualidade.