A historiografia tradicional do Ceará trata pouco sobre a importância da população negra, quase sempre propagando a falsa ideia de um “Ceará sem negros”, entretanto as fontes demonstram o contrário, pois apresentam um cotidiano de resistência, com importante contribuição desses indivíduos para a formação do povo cearense. No interior do Estado, a questão historiográfica se perdura, com grandes lacunas no estudo sobre a população negra e sobre a escravidão em muitas cidades cearenses. Como resposta a essa inquietação, a pesquisa tem o objetivo de demonstrar a presença e a importância da população negra no município de Itapipoca, situado na região Norte do Estado, no período final do século XIX. À época, havia uma intensa discussão em torno da abolição da escravidão no Brasil, o que levou a um processo considerado de “abolição da figura do negro”, que negava a participação dessa parcela da população no exercício de uma cidadania plena. Essa pesquisa promove uma abordagem qualitativa com a leitura indiciária de documentos diversos, mas principalmente de recortes de jornais que, desde Gilberto Freyre, em O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, destaca essas fontes como indispensáveis para a análise do cotidiano e da resistência dos escravizados. Dados censitários também foram utilizados, como o censo de 1872, um dos mais completos do império, além de obras memorialísticas e folclorísticas, como o Cantadores, do Leonardo Mota. Também se utiliza como base o trabalho seminal de Eurípedes Funes, Negros no Ceará, que, desde a sua publicação, tem influenciado uma série de pesquisas sobre a população negra, para além do aspecto escravista. Nesse percurso, descobriu-se que o município de Itapipoca, no final do séc. XIX, embora contasse com um percentual pequeno de escravizados, apresentava um número significativo de “pardos”. Esses dados parecem uma contradição, mas, se levarmos em conta as peculiaridades da colonização cearense, o processo abolicionista e a teoria de Funes, sobre a ocupação tardia com a participação de mestiços e negros livres no Ceará, esses dados se tornam mais plausíveis. Também se notou a presença negra nos jornais, principalmente por meio da publicização de suas estratégias de resistência, como anúncios de fugas, de assassinato de senhores e de formação de quilombos, como consta na obra Negociação e Conflito, de João José Reis. Essa resistência também é percebida por meio das manifestações culturais, como a música. A junção dessas fontes permitiu a comprovação da presença e da importância dos negros como um dos principais grupos que constituíram a população cearense, no século XIX, com destaque para a contribuição deles para as ações de resistência e de luta por emancipação política, no contexto de municípios do interior cearense, como Itapipoca.
Palavras-chave: Escravidão. População Negra. Itapipoca.