Esta comunicação desenvolve uma reflexão sobre como Jean Améry (1912-1978), sobrevivente do genocídio nazista e ex-prisioneiro do “lager”, elaborou sua compreensão sobre os significados de temporalidade e de nêmesis, e, em que medida tal aspecto resultou em uma crítica da objetividade histórica. O trabalho de Améry é indissociável de uma história intelectual concebida por ele através de narrativas sistemáticas de natureza autobiográfica, sobretudo, a partir de 1966, ano de publicação do seu primeiro texto testemunhal. É sensato afirmar que a perspectiva autobiográfica de Jean Améry se caracterizou, fundamentalmente, por uma exigência moral a ser cobrada de seus contemporâneos em relação ao passado e ao presente da história. A discórdia de Améry é com um certo tipo de objetividade da história. Quanto mais objetividade, mais pode representar que movimentamos as peças do tabuleiro em favor dos tiranos, e mais perdas afetivas se acumulam em razão da inexorabilidade do tempo. A perspectiva de Améry é, a princípio, uma suspensão filosófica do tempo na esperança de neutralizar a diacronia imposta ao dado histórico. Por isso, para as várias realidades temporais pelas quais passou e buscou capturar em narrativas autobiográficas, Améry reivindicou uma dimensão predominantemente moral do que propriamente factual. Améry se insurge contra a concepção de um tempo linear, homogêneo e progressivo. Esse é o tempo que favorece o opressor, e, por conseguinte, erige o esquecimento como consigna. Tampouco o satisfaz a demarcação de um tempo autobiográfico de tal modo pronunciado pela sucessão de acontecimentos e nexos causais que tornam o passado cada vez mais distante: esse é o tempo da historiografia pragmática. O ponto nodal de Améry, é estabelecer e visibilizar politicamente, em termos éticos, filosóficos e morais, um lugar que foi soterrado pelo passado, e dele construir uma cabeça de ponte em território inimigo. É importante recordar com Amit Kravitz (2019), que Améry não pretende que a investigação histórica deva ser totalmente reduzida ao testemunho. Ele defende que a investigação histórica não pode ser objetiva, a ponto de significar a neutralização, a indiferença e o esquecimento em relação aos eventos em que o mal se caracteriza como um elemento constitutivo. Portanto, Kravitz pensa a relação de Améry com a história como uma ação a contrapelo, reverberando as intuições de Walter Benjamim. No limite, Améry recusou, enquanto princípio, compreender os dados de uma fria objetividade histórica que desenvolviam historiadores, filósofos ou outros testemunhos no sentido de circunscreverem um quadro de interpretações gerais com argumentos de utilidade explicativa ou fossem “convincentes” sobre a catástrofe, quanto mais pressionavam por se distanciar de um passado incômodo. Nos termos discutidos por Aleida Assmann (2023), Améry se afirma como “testemunha moral”, em clara oposição a uma semântica sacrificial: “a testemunha [moral] e sua mensagem revelam um crime colossal, dando pura e simplesmente notícia do mal que elas experimentaram diretamente na própria pele na forma de uma violência criminosa organizada” (Assmann, 2023, p. 28). Améry, devassa, à fórceps, uma zona impenetrável para criar um espaço público absolutamente necessário à instauração do ato testemunhal.
Palavras-chave: Jean Améry. Testemunho moral. História e Historiografia.