Advertências, prisões e transferências: os sintomas da mortificação do eu na Colônia Lazarópolis de Santo Antônio do Prata – PA

Publicado em: 05/03/2024
Autor(a) principal: Calebe Sousa Ferreira Serra
Co-autor(es): -
Orientador(a): Jane Felipe Beltrão
Área temática: História da Saúde e das Doenças

No livro “Manicômios, prisões e conventos”, Erving Goffman traceja os caminhos que fazem um estabelecimento social ser chamado “Instituição Total”, mediante sempiterno e meticuloso processo de mortificação do eu, corporificado em todas as práticas cotidianas desses lugares, tendo início no momento do encerramento compulsório e término, em alguns casos, na consumação do fôlego. À vista disso, este ensaio se trata de uma discussão teórica, a partir do que escreveu Goffman, somada a experiência da Colônia Lazarópolis de Santo Antônio do Prata (Igarapé Açu, Pará), de modo a acusar a concretude das violências descritas por ele. Dessa maneira, almeja-se não somente uma constatação a priori, senão a viabilização da escuta de vozes histórica e hegemonicamente silenciadas. Para tanto, colheu-se nos prontuários médicos das pessoas que ali foram internadas — sob guarda do Grupo de Pesquisa “Cidade, Aldeia & Patrimônio na Amazônia (PPGA/UFPA)”, os quais foram compulsados como parte das atividades de bolsa PIBIC/CNPQ — variadas expressões de violências, arquitetadas para o assalto do dito “livre arbítrio” e para o controle completo dos indivíduos. Estes papéis costumam ter seções cujo preenchimento é encargo da equipe diretora, neste caso, a médica. Isto é, a visão que se tem das/os enfermas/os é esmeradamente coletada nas entrelinhas de uma manifestação da hierarquia do estabelecimento. Assim, por exemplo, percebe-se informações cruciais na descrição das administrações medicamentosas, quando no lugar do fármaco ou da dosagem, diz-se: fugida, presa, transferida, doente, dentre outras exposições de uma condição (mesmo que provisória) na qual se encontravam as/os hansenianas/os. No curso da referida bolsa, foram etnografados em torno de 9.095 arquivos, sendo estes pilares ao entendimento do perfil das pessoas confinadas na Colônia, bem como de suas dinâmicas internas. Os documentos cobrem desde dados pessoais, como cor/etnia, sexo, profissão, a casamentos, óbitos, transferências, prisões e advertências, sendo todos maculados pelas violações de direitos humanos. Por esta razão, aqui dedico-me a discutir unicamente os dois últimos. Para o trato daquelas/os que de alguma maneira não seguissem as rigorosas regras da Instituição, o lazareto contava com um sistema de castigos, dividido em advertências, avisos e multas; e com um “xadrez”, no qual essas pessoas cumpriam as penas pelos “delitos”. As advertências eram direcionadas àquelas/es que faltavam ou recusavam o tratamento “antileprótico”, e o acúmulo de faltas resultava em multas de valores variados ou em reclusão no xadrez. Esta, por sua vez, se dava mormente por embriaguez, desordem ou falta ao tratamento. Há também casos de furtos, consumo de drogas e violências sexuais. Em suma, como quis Goffman, havia uma dupla privação de liberdade, pois estes castigos resultavam da “perturbação nas relações usuais entre o ator e seus atos”, uma vez que a motivação das ações subversivas provinha da própria direção ao subjugar a liberdade individual e ainda se aproveitar das respostas para alimentar um ciclo de violências, denominado “circuito” pelo sociólogo. Além disso, às/aos doentes era imposto um processo iniciático de perda de identidade quando do recebimento de um número, que, por vezes, suprimiu o uso do próprio nome, sufocando, assim, o eu.

Palavras-chave: Leprosos/as. Hansenianos/as. Lepra/Hanseníase. Colônia do Prata. Instituição Total.

  1. Rodin Moura Miranda

    em resposta ao Trabalho

    8 de março de 2024

    Muito interessante a pesquisa na área da história da saúde. Apresenta muita coerência na escrita e potencial de contribuição na área!

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